quarta-feira, 14 de maio de 2014

Com tudo que eu tenho, estendido no varal.

Em outra vida, eu queria que a gente, por um acaso, em alguma circunstância, durante um passeio nas ruas de Veneza, desse certo.
Nessa, eu só queria conhecer, decerto, o céu.
(não existe nenhum céu).
Ah, o céu da tua boca. Nem a própria Lilith ousaria ter lábios tão avermelhados e beijáveis quanto os teus. Meu bem, meu bem, por que ousar te beijar, por que me atrever a aceitar teus beijos se eles não vem com assinatura em baixo? Se eles não me fazem acreditar que você não vai passar da porta, que você não tem outros corpos pra preencher com o teu? Não me acusa de frieza, não aponta esses teus olhos castanhos em direção aos meus, eu seria a culpada em um segundo. Eu seria a culpada em um milhão. De quê? De quê?
(de fazer tudo certo da forma errada)
Para com essas suas intromissões, como eu posso fugir das tuas palavras, do teu blues? Eu nado contra as correntes de qualquer mar mas tuas ondas me sugam. Anseio por um pouco de ar, afogo uns gritos em baixo d'água enquanto tuas mãos machucam as minhas, você chora nos meus joelhos por um pouco mais de alma. Salva a minha alma, ensina-me a enxergar qualquer outra coisa, qualquer outro ponto que não seja os sinais do teu corpo. Me ensina a tornar tocável qualquer esperança, qualquer fluxo de luz em que eu pareço acreditar. Eu não acredito o bastante.
(acredito em nós).
Em nós. Estamos em nós. Estamos por um triz da perca, do esquecimento de quem somos. Rasgo-me em fúria, como vou me esquecer do que eu nunca vi? Como vou me lembrar de quem eu nunca fui? O que eu vou te oferecer além da minha mesinha de cabeceira, minhas paredes riscadas com outra vida que não é a que eu fui agora, não é a que eu acabei de ser, não é a que eu vou ser quando piscar meus olhos. Segura minhas lágrimas, transforma em qualquer veneno, me disseca o coração que jaz desde a frieza nos nossos toques. Quente. Quente. Me afeta. Me afoba. Tua carne queima meus dedos quando os acendo na tua inocência.
Arranca fora meus espinhos, não adianta. Você sabe, eles insistem em crescer novamente. Insistem em rasgar qualquer pele, em furar qualquer bolha de sentimento que queira me arrancar da terra, que queira me arrancar desse terreno sujo, do meu deserto particular preenchido apenas com a minha solidão infungível. Como vou me tornar qualquer coisa se não sou qualquer coisa sem...
(teu amor)
Não junta minhas pétalas do chão.
Sou a morte. Você é a cura. E você nem sempre me resolve mas me salva. Me salva.
Me liberta de mim.